sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Chutando tampinhas...


Foi meu primo Lito Cavalcanti quem me deu o primeiro livro de João Antônio assim que eu cheguei de mala e cuia em São Paulo, em meados de 90. Nunca tinha ouvido falar nesse escritor ate então. Fui logo atraída pelo sugestivo título, Dedo-duro, e sugada pela narrativa do escritor. Fiquei apaixonada e me perguntando como eu não conhecia João Antônio de outrora. Para piorar, ainda não existia o google, parceiro de todas as horas, e os sites de busca eram bem fracos.

Fui correndo à Livraria Cultura do Conjunto Nacional e pasmem! Nada. Nenhum livro dele nas prateleiras da livraria mais cool de São Paulo na época. Como pode? Começou minha busca quase desesperada (logo transformada numa obsessão) por um exemplar de João Antônio nas livrarias. Rien! Restavam-me os sebos. Aliás, diga-se de passagem, adoro a cultura de sebo, essa circulação de livros, de histórias e de saberes.

Ali começava minha peregrinação pelos maravilhosos sebos de São Paulo e, após muita procura, encontrei um exemplar bem velhinho de Malagueta, Perus e Bacanaço. Pronto. Fui definitivamente flechada pela escrita de João Antonio. Uma paixão logo transformada em indignação. Como é possível? Não há livros dele, quase ninguém o conhece.

Estava completamente órfã, sem ter com quem dividir as peripécias do chutador de tampinhas, até que um belo domingo fui surpreendida com a ótima coluna Macho, através da qual Xico Sá declarava seu amor incondicional ao porta-voz dos bêbados, das prostitutas, dos sinuqueiros e afins. Acho que a falta de interesse das grandes editoras por João Antônio se dava pelo fato do cronista contrariar a lógica dominante.

Na década de 60, após ganhar dois prêmios “jabutis” e trabalhar em importantes jornais e revistas, João Antônio largou o seu emprego, destruiu seus cartões de crédito, vendeu seu carro e se separou da mulher. Enfim, adotou um estilo de vida próximo da marginalidade vivida por seus personagens para se dedicar inteiramente à literatura.

Os críticos viam-no como uma espécie de Lima Barreto do fim do século XX. Era  preciso mergulhar na genialidade, fraqueza, cultura, solidão, ressentimento, contradição, mulatice e vaidade que ambos comungavam. Finalmente foi lhe dado o devido lugar à literatura. A edição de luxo da Cosac Naify com vários livros de João Antônio é uma obra-prima para ler e guardar na estante em lugar privilegiado.

João Antônio é um escritor da marginalidade, o nosso Bukowski, o intérprete do submundo que se manteve fiel ao seu estilo literário até o fim. Seu corpo estirado na cama em seu muquifo alugado em Copacabana só foi descoberto 15 dias após sua morte, em 1996.  Em vida, encarava a solidão com escárnio, adjetivando-a de nojenta mais para aliviar a si mesmo do que por reclamação. Grande, João Antônio!

Querem ser fisgados de cara por ele?  Comecem com Perus, malagueta e bacanaço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário