quinta-feira, 29 de março de 2012

Meu gosto pela arte devo a você, Popoi. Com Amor, Lolô!

  
Socorro trabalhando numa expô
crédito: César Giobbi

Foto Miguel Rio Branco. Adoro!











Posso dizer com a mais pura convicção que o meu gosto pela arte contemporânea eu devo a Socorro, a minha querida Popoi! Não é porque veio da minha tia (ou melhor, acho que é), mas aprendi a gostar de arte contemporânea de verdade a partir dela.

As exposições de Rodin na Pinacoteca de São Paulo, as esculturas de Louise de Bourgeois e de Emanoel Nassar, o orvalho capturado por Brígida Baltar, conhecer pessoalmente o processo criativo da mestra Tomie Othake naquela casa de concreto maravilhosa, em Moema (ou é Campo Belo?), as peças em madeira de Maurício Silveira, as esculturas de Artur Lescher, sem falar das bienais maravilhosas e das exposições maravilhosas na Galeria Nara Roesler.

Ah, não poderia me esquecer da inesquecível experiência da Arte-Cidade, projeto através do qual a gente se deparava com sensações de medo e de encantamento nas ruínas das antigas fábricas dos Matarazzo, da aristocracia paulistana, sempre interagindo com as intervenções de diversos artistas naquela paisagem. Parece que foi ontem que escutei o som que José Miguel Wisnick produziu numa chaminé. E dentro do vagão do trem, que saía da Luz, na Cracolândia, a gente ia vendo um filme passando na medida em que o trem se movimentava. Foi uma experiência visual, sensorial e de todos os sentidos possíveis e imagináveis. De fato, marcante!

Enfim, seria impossível listar todas as nossas andanças pelas artes em São Paulo. Com Popoi, aprendi a ter um olhar crítico e a apreciar o belo, mesmo quando a obra não parecia tão bela assim. E a arte cinética de Palatnik? Mas aí, para apreciar uma das mais belas obras, eu nem precisava sair de casa. Bastava olhar para a instalação na parede da sala de Popoi. É luxo, né não?  Aliás, a casa de Popoi é um verdadeiro museu. Tem ainda as obras de Tunga, como a cobra em que eu sempre esbarro quando vou lá. E a trança? O pente de aço? Maravilhosos! Não tem preço essa convivência diária de 3 anos que tive com a minha tia marchand, quando ela me recebeu de braços abertos para uma longa temporada em sua casa em São Paulo. Só tenho gratidão pelo acolhimento tão afetuoso. Socorro, uma mulher determinada, forte e batalhadora. Tudo que conseguiu (e não foi pouco) foi graças a muito trabalho e suor, além do talento nato inerente, é claro! O respeito e admiração dos críticos de arte e artistas nada mais são do que o reconhecimento ao seu trabalho.

As fotografias do meu ídolo Miguel Rio Branco, quem me apresentou? Popoi, claro. E agora, a sua galeria Millan Antonio está com uma bela exposição da fantástica Tatiana Blass. Um primor! Aliás, recomendo uma visita na galeria que fica na Rua Fradique Coutinho, em Pinheiros. Eles trabalham com artistas muito bacanas como Artur Barrio, outro que amo de paixão.

Corra, Lolô, corra pra São Paulo pro aconchego da sua tia, do seu tio querido Tonho, e dos seus primos-irmãos, agora com as proles crescendo! E assim, a gente vai levando a vida nessa roda viva que gira, que roda o mundo e roda pião, cultivando os afetos, sem perder a ternura nunca, né não Che? Merci beaucoup, Socór!
 



terça-feira, 20 de março de 2012

É de tirar o fôlego De verdade!


Um das minhas primeiras postagens nesta modesta estante foi sobre o livro As brasas, de Sándor Márai. Após ter sido apresentada pelo meu amigo Lula Arraes, nunca mais deixei de lê-lo. E de admirá-lo! As mazelas e virtudes da alma humana são assuntos recorrentes em seus livros. Ele viveu intensamente a Primeira Grande Guerra, circunstância que se faz presente no contexto de muitos dos seus romances. Foi censurado pelos comunistas, exilou-se nos Estados Unidos, onde se suicidou no ano da queda do Muro de Berlim, em 1989.

Considerado como sua grande obra (embora eu ainda prefira As brasas), o romance De verdade foi escrito ao longo de 40 anos. Com uma linguagem elegante e despretensiosa, Márai nos mostra os conflitos do amor e do casamento por meio dos bastidores da burguesia decadente na Europa Central entre as duas grandes guerras. O romance demarca a fronteira intransponível que separa as classes sociais, reabrindo as cicatrizes de uma capital agonizante cercada pelas tropas comunistas.

O realismo e a simplicidade sempre presentes nas narrativas de Márai são características que me atraem muito. Ele se atenta ao que é fundamental. Ou seja, ao sentimento (e sofrimento) humano. O resto é adereço, complemento. A dor irreparável, os rancores petrificados, os mistérios do amor e suas frustrações são questões tratadas com profundidade. Tenho pra mim que a frustração a qual ele se refere é a da idealização. O ideal existe apenas na mente de quem idealiza.

A narrativa em De verdade é sincera, clara e transmite as dores do narrador (ou dos narradores, já que eles são quatro). Pairam ainda nessa atmosfera criada por Sándor Márai uma sexualidade reprimida, um traço conservador, com pequenas (quase imperceptíveis) alusões de cunho homossexual. Daí a origem das minhas impressões a respeito de sua sexualidade que aparece (pelo menos para mim) de forma meio autobiográfica em seus livros.

“(...) Existem apenas pessoas, e em todas há um grão de verdadeira, e nenhuma delas tem o que do outro nós esperamos e desejamos”.

Recomendo!

segunda-feira, 5 de março de 2012

A saga de uma família, o sanatório e as cabeças trocadas!



Sumi, eu sei que sumi, mas o motivo foi nobre. Primeiro, o feriado de carnaval. Em seguida, a qualificação do meu projeto de mestrado. Mas com diria o Rei, eu voltei porque aqui, aqui é meu lugar! Tava pensando com meus botões se alguém me perguntasse qual o melhor escritor de todos os tempos, certamente eu não saberia responder apenas um. Mas hoje eu elegi um alemão que amo de paixão. Um mestre da narrativa. Um primor de escritor! E é a ele, Thomas Mann, a quem dedico este post. 

História de família é um assunto recorrente entre os mestres de literatura. Mas, a saga da família em Os Buddenbrooks, publicado no início do século XX, é um exemplo de superação. Thomas Buddenbrook é o centro do romance. Apesar de parecer clichê falar sobre a decadência de uma família da aristocracia, Thomas Mann consegue sair do lugar comum. Logo de saída, somos envolvidos no destino de uma firma burguesa da Alemanha oitocentista e num personagem careta, quadrado, sem graça, fortemente ligado aos valores mais reacionários e conservadores possíveis de imaginar. 

No romance, Mann é magistral quando usa como pano de fundo da narrativa a filosofia pessimista de Schopenhauer. Ele ainda cria no romance uma atmosfera budista de que tudo é ilusório, mesmo o que parece mais sólido. Nada pode permanecer o mesmo sob pena de estagnar e morrer de uma forma pior que a morte. Impressiona a atualidade do texto, sobretudo quando Thomas (o personagem) sofre de um dos maiores males da nossa sociedade que é o estresse, aquele eterno cansaço, de que a energia vital está prestes a falhar. Simplesmente fantástico! É incrível como a estética da escrita é algo atemporal! E o melhor é que a grandiosidade de Thomas Mann não parou nessa obra. Aliás, não é por acaso que o escritor figura entre os maiores de todos os tempos.

A Montanha Mágica (talvez o mais famoso, que lhe rendeu o Prêmio Nobel) é igualmente repleto de adjetivos e superlativos. O livro parece cansativo, pois aparentemente não tem enredo. Mas não é! Eu quase que desisto, mas insisti e e não me arrependo. Resistir é a palavra de ordem aqui! Após os primeiros capítulos, a trama vai tomando um rumo de tirar o fôlego. Tudo começa no sanatório, que se torna uma espécie de microcosmo europeu. Os numerosos personagens do livro são representações de tendências e pensamentos que predominavam na Europa, momentos antes da Primeira Grande Guerra, conhecido como o período dos anos loucos. A instabilidade naquele continente era refletido justamente num sanatório. 

Em Cabeças Trocadas, Thomas Mann utiliza a Índia como cenário de uma fábula sobre a identidade, a partir de um triângulo amoroso. Dois jovens amigos com características completamente opostas.  Shridaman é o brâmane espiritualizado e pouco atlético; Nanda é o belo trabalhador braçal. Shridaman apaixona-se por Sita (a deusa indiana), mas quem faz a corte por ele é Nanda. Ora, como Sita não conhece o futuro marido, a imagem que ela tem como referência é a de Nanda. Consumado o casamento, apesar do carinho e respeito que tem por Shridaman, é Nanda quem ela deseja, com quem sonha e fantasia. Numa resenha sobre este livro, o grande Octavio Paz disse: “O que impede o trio de encontrar uma solução é a insatisfação com o Mesmo e a eterna atração pelo Outro”.

Sobre a identidade, Thomas Mann escreve: “…além da verdade e do conhecimento racionais, existe a intuição do coração humano, que sabe ler a escrita dos fenômenos não apenas no seu sentido primário e simplista, mas também no sentido secundário e mais elevado, deles se servindo para atingira contemplação do puro e espiritual.. É dado e concedido aos homens se servirem da realidade para vislumbrar a verdade. A linguagem forjou a palavra poesia para nomear essa dádiva”. Cabeças Trocadas é imperdível e bem fininho! Talvez um bom começo para quem nunca adentrou no universo de Mann!