segunda-feira, 29 de julho de 2013

...sobre o mal!




Saudades daqui. A correria do cotidiano tem me mantido mais distante do que eu gostaria deste espaço que eu zelo tanto, sobretudo num semestre carregado de estatísticas, literalmente. Abre parênteses. A disciplina obrigatória de métodos quantitativos é o terror dos pós-graduandos de sociologia da Federal. Mas, a gente sobrevive e, pasmem, aprende! Depois de um semestre sofrido, eis que exponho aqui algumas inquietações acadêmicas que têm tudo a ver com o tema. A tal da emoção! Do nosso esforço de dar sentido ao mundo.

O sofrimento humano faz parte da vida. Na filosofia oriental, o sofrimento faz parte da dimensão humana. A tradição judaico-cristã, ilustrada na histórica bíblica de Jó, sublinha a dor presente na vida tentando entender suas causas. O exame da história humana, sobretudo na versão que nos oferece a literatura grega, faz surgir ao mundo homens marcados pelos desígnios cósmicos. Ulisses, Prometeu, Édipo e Antígona são alguns dos personagens cujas tragédias pessoais moveram suas vidas.

Com Zaratustra, Nietzsche retomou o mito para propor a capacidade do ser humano para superar suas adversidades e se “mover” em direção a um mundo que faça sentido. Olha o que ele dizia: “Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a roda motriz na engrenagem das coisas - a transposição da moral para o plano metafísico, como força, causa, fim em si, é obra sua”.

Na contemporaneidade, analisar o sofrimento causador das depressões como uma das expressões do sintoma social significa supor que os depressivos constituam, em seu silêncio e recolhimento, um grupo ruidoso e incômodo. Para a psicanalista Maria Rita Kehl, a depressão é a expressão máxima do mal-estar que ameaça a “euforia prêt-à-porter, da saúde, do exibicionismo e, do consumo generalizado”.

Do ponto de vista da experiência subjetiva, a singularidade do sofrimento o torna um campo privilegiado para se pensar a relação entre indivíduo e sociedade, superando hábitos instaurados por uma forte cultura de desprezo à emoção. Num contexto de crescente tecnologização do cuidado, precisa-se resgatar as várias dimensões do sofrimento humano. 

Na contemporaneidade, o tempo é outro. Está cada vez mais curto e acelerado. Não há mais espaço para o sofrimento. Nem necessidade. Pra que sofrer se hoje temos a nossa disposição as pílulas da felicidade e do prazer? Não temos mais os mitos de outrora, que atribuíam à dor um sentido e ao sofrimento uma razão de ser, como o fez Zaratustra. Numa sociedade secularizada, em que o sofrer não tem sentido, somos incapazes de perceber o sentido do sofrimento - nem a dor do Outro - como força impulsora do desenvolvimento humano. É preciso resgatar a experiência do sofrimento, revelando a singularidade do sujeito que sofre, para dar um sentido a nossa existência, e desvendar a universalidade da condição humana.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

Cuidado quando for pedalar sua bike...



Eu já havia lido os ótimos Desonra (este lhe valeu nada menos do que o Nobel de Literatura), e Diário de um ano ruim. Em seguida, veio a pista de Xico Sá de que se tratava de um ótimo livro. Não tinha erro. Como não teve.

O Homem Lento, de J.M Coetzee, é tocante. Com uma escrita fluida, o autor nos leva a refletir sobre como vivemos as nossas vidas.

A história sobre um velho (nem tão velho assim) que perde a perna após um acidente de bicicleta tem uma narrativa comovente. O autor aborda brilhantemente o amor, o envelhecimento e a morte, no melhor estilo Philip Roth (sim, o livro me fez lembrar este grande escritor).  

A misteriosa escritora Elizabeth Costello, personagem de outros livros do autor e considerada como o alterego de Coetzee, entra na trama para ajudá-lo com as questões dos limites entre realidade e ficção.

Como toda obra literária que se preze, O Homem Lento levanta questões, mas não nos dá as respostas esperadas.

E cuidado quando pegar a sua bike e for pedalar por aí para não ser "atropelado pelo tempo".


segunda-feira, 4 de março de 2013

“Poderia pintar para ganhar dinheiro, mas por que fazer isso se posso fazer meu próprio dinheiro?”




Eu achava que já tinha dado a minha cota de filmes de guerra e holocausto. Depois de assistir aos Falsários, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009, vi que não. Há muitas nuances e histórias ainda pouco vistas e interessantes que valem a pena.

O filme nos dá uma boa impressão logo no começo, com belas imagens de ruelas típicas das cidades da Riviera Francesa.

No auge da 2ª Guerra, Salomon é um judeu falsário e bon vivant que, por conta de suas habilidades manuais, vai parar num local pouco habitual do campo de concentração.

Dos ambientes rodeados de luxo e riqueza à humilhação dos campos, este personagem controverso mantém a dignidade, mesmo que sob a máscara da subserviência.

O que diferencia este filme dos demais sobre o tema é que ele não tem como foco o sofrimento dos judeus durante o holocausto. É muito mais do que isso. Nele, há um debate ético sobre o que de fato importava naquele momento.

Sobreviver e trabalhar contra seu próprio povo em prol dos nazistas? Ou sabotar a operação de falsificar dinheiro para financiar a Alemanha, correndo o risco de pagar com a própria vida?

O filme é baseado numa história pouco conhecida da 2ª Guerra Mundial. É uma história bem contada.

Atenção especial para a trilha sonora: um tango argentino lindo!

Recomendo!

sábado, 9 de fevereiro de 2013

A força das circunstâncias...




Já passava das 2 da manhã e nada de ir dormir. Já tinha respirado inúmeras vezes, feito o lanchinho básico da madrugada insone, fuçado o instagram, o facebook. E nada! É que naquela noite o livro que eu acabara de ler me deixou fora do eixo.

Pensativa mais do que o normal. Angustiada mais do que deveria. Extasiada pela capacidade narrativa do escritor. Excitada com o impacto de um livro bem escrito. Aliás, os últimos livros que eu tenho lido andam provocando um efeito parecido aos descritos acima.

Voltando ao livro em questão: Nêmesis, de Philip Roth.

Através de uma bela narrativa em primeira pessoa sobre as consequências devastadoras da poliomielite no cotidiano de uma comunidade judaica culturalmente enraizada, Nêmesis  trata da impotência dos homens diante da força das circunstâncias.

É um livro denso, melancólico e que nos coloca diante da finitude humana.

Abre um breve parênteses. Antes de começar a ler o livro, a curiosidade fez com que eu procurasse o significado de Nêmesis. Pois bem. Na mitologia grega, nêmesis é a deusa da justiça. Um paradoxo que faz todo sentido.

Há quem diga que esta que vos escreve entra em outra camada da atmosfera quando acaba um livro.  Talvez seja verdade.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Devolvi tudo...




Ok. Eu sei que o tempo é de carnaval. Mas, entre confetes e serpentinas, acho que não fica tão fora do tom eu me acabar de dor de cotovelo, escutando, falando e escrevendo sobre os efeitos da lama na alma de uma pessoa. Afinal de contas, como bem disse Moacir Franco, a nossa vida é um carnaval, a gente brinca escondendo a dor...

Tenho uma memória afetiva por Nubya Lafayette. Quando criança, todos os dias eu era acordada pelo radinho de pilha da negra Bá, já nos afazeres domésticos, escutando Devolvi o cordão e a medalha de ouro... Como era bom começar o dia daquela forma. Que saudade eu tenho de deitar a minha cabeça sobre os peitos imensos da minha amada negona.

O meu hino Último Desejo, do grande Rosa da Lapa, é sempre pedido por esta que vos escreve no meio de uma carraspana. A última foi na Feijoada do Betinho. No meio do maior sambão de Seu Riba, eis que encarecidamente suplico: Jorge, canta Noel! E começo. Nosso amor que eu não esqueço e que teve o seu começo...só sei que neste dia Mestre Riba me deu a honra de uma salsa (ou seria merengue?). E voltei pra casa feliz após ter celebrado a vida mais uma vez.

Bazinha, obrigada por me mostrar a lindeza da vida. Saravá, negona do meu coração.

Te amo e te dedico!



segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Uma memória imperfeita!




A primeira vez que ouvi falar em Julian Barnes foi em 2001 quando morava em Londres. Foi numa resenha do ótimo caderno de cultura do The Guardian, publicada aos sábados, que traz críticas literárias, gastronômicas, de filmes e afins. Estava lá no Caffè Nero do Soho, como de costume, quando li uma crítica sobre seu então romance intitulado Love, etc.

Na verdade, o que mais me chamou a atenção naquele livro foi a ilustração da capa que mostrava lindos sapatos, de verniz e bicolores do modelo Oxford. Devorei o Love, etc na semana seguinte e pronto. Apaguei este escritor da minha memória completamente. Vai entender...

Numa tarde de domingo de um não tão distante novembro recifense, pois, não pensei duas vezes quando me deparei na Cultura com o sugestivo título Sentido de um fim daquele escritor que eu tinha simplesmente retirado da minha memória. Comprei. Mas, por conta de afazeres domésticos e acadêmicos só fui ler o livro agora em janeiro.

É um livro sobre memória e identidade, com narrativa despretensiosa e envolvente. O narrador fala das ciladas que a memória nos apronta na vida. “O que você acaba lembrando nem sempre é a mesma coisa que viu”. A frase, dita por Tony Webster, protagonista desta narração, resume bem a ideia central da trama criada por Barnes.

No alto de seus 60 anos, desfrutando de uma aposentadoria pacata e tranquila, Webster descobre que é preciso fazer um acerto de contas com o passado. Como o próprio diz: "a história é a certeza produzida a partir do encontro das imperfeições da memória com a sua documentação inadequada".

Existe acumulação na vida. Existe inquietude no livro, uma inquietude que insiste em não sair dos nossos pensamentos.

Recomendo!