quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Louise Bourgeois e Almodóvar. Uma combinação perfeita!

Obra de Louise Bourgeois 


Almodóvar é tão genial, mas tão genial (o espanhol é um artista no sentido mais literal do termo; seus filmes são pura plástica, verdadeiras obras de arte!), que logo nas primeiras cenas do filme A Pele que Habito, ele se utiliza do nome de Louise Bourgeois e todo o simbolismo que nele implica para sinalizar do que vai falar: corpo. A metáfora utilizada pelo cineasta é simplesmente brilhante. A Pele que Habito explora a questão de gênero relacionada com o desejo.  Uma obra-prima!

Assim como no filme, Louise Bourgeois ficou famosa por explorar os limites do corpo, não só física como psicologicamente. Vestida com uma pele bege, desenhada por ninguém menos que Jean-Paul Gaultier, a personagem de Almodóvar dá vida ao trabalho de Louise, também conhecida como mulher-aranha. Em Bourgeois, o confronto com o aspecto obsessivo do corpo no seu trabalho emociona quando não choca.

O que dizer além do que já foi dito sobre Louise Bourgeois? Uma mulher que esperou até os setenta anos para se tornar uma das figuras mais proeminentes dos últimos tempos, com obras de arte espalhadas nos maiores e mais importantes museus do mundo?  

A primeira obra dela que vi pessoalmente foi justamente a Aranha* (uma das mais emblemáticas), no final dos anos 90, na Bienal de São Paulo. Depois, fui me deparar com uma grandiosa (literalmente) obra dela - a dos jogos dos espelhos - na inauguração da Tate Modern, em Londres. Há três anos, tive o privilégio de ver uma retrospectiva de Louise Bourgeois, no Beaubourg – como é conhecido o Centro Pompidou, em Paris. Deparar-se com Bourgeois é sempre um acontecimento que marca. Simplesmente emocionante! 

O interessante na vida desta artista é que só depois de muitos anos de trabalho discreto que suas formas estranhas (e por que não dizer bizarras?) seduziram e arrebataram os amantes de arte no mundo inteiro. Suas instalações são irônicas e, de certa forma, sombrias! A arte de Bourgeois demonstra uma visão caleidoscópica que a artista tinha da percepção do corpo e da mente.

Nas inúmeras entrevistas que dava, Louise costumava dizer que a ela lhe interessava entender os limites do corpo. Sua busca incessante foi captar o momento em que o sofrimento emocional se tornava em dor física. A artista não hesitou em explorar todos os limites do corpo. Quer desejo mais denso do que este? Mais almodovariano?Ah, este filme marca a volta triunfal de Antonio Banderas ao cinema de Pedro Almodóvar de onde o ator nunca deveria ter se afastado. 

A obra de Louise Bourgeois é de uma dimensão autobiográfica incrível.  Visceral.  Tudo é intenso. Bourgeois manifesta uma consciência profundamente humana (trágica e cruel) da existência, exatamente como no filme de Almodóvar. Sentimentos como medo, proteção, sedução, traição, vulnerabilidade, permeiam esses universos.  Almodóvar reconhece que um de seus personagens é salvo por conta de Bourgeois. Assim como Lolô, corram pra ver o filme!

Louise Bourgeois morreu no ano passado, aos 98 anos, em Nova Iorque, cidade que escolhera para morar havia décadas. Termino com uma célebre frase de Louise Bourgeois que sintetiza bem sua arte: “I have no ego. I am my work”.


* A enorme aranha que fica exposta permanentemente no MAM, em São Paulo, foi batizada por Louise como Maman e representa a mãe da artista – na ambígua metáfora da aranha. A aranha que, a priori, é interpretada como uma figura macabra e traiçoeira.

sábado, 12 de novembro de 2011

A nova cara da música pop francesa!



Uma das coisas mais legais na Aliança Francesa é que a gente fica sempre em dia com o melhor da França. Talvez Bertrand Betsch seja uma descoberta apenas para esta que vos escreve. De qualquer forma, é uma novidade que vale uma postagem. O artista da vez, pelo menos aqui no blog, é esse cantor, compositor e escritor de origem francesa, nascido em 1970.  

Na verdade, Bertrand Betsch surgiu no final dos anos 90, mas não conseguiu sucesso de imediato. Ele só teve uma projeção com o lançamento, em 2004, do álbum Pas de Bras, Pas de Chocolat (livre tradução: Sem braços, nem chocolate) e quando foi finalista, no ano seguinte, do prestigiado Prix Constantin, onde interpretou Tournicotons, deste mesmo trabalho, o que lhe rendeu uma boa notoriedade.  

Depois, ele traçou seu caminho longe dos refletores. Aliás, felizmente Bertrand Betsch é um daqueles artistas considerados sofisticados pela crítica, mas que não são midiáticos. Outra característica que me agradou bastante.

Bertrand tem um estilo meio minimalista, meio sintético que me soou inovador. A melancolia presente no seu trabalho é um traço característico nele que eu adoro. E tem mais, para os aprendizes da língua francesa - como eu -, Bertrand Betsch é perfeito: a sua pronúncia e a entonação de voz são excelentes para o nosso ouvido de aprendiz! Taí uma boa pedida! Quem quiser saber mais sobre o artista, basta ir ao http://www.bertrandbetsch.fr

Ah, ele acabou de lançar Le temps qu’il faut  através do seu próprio selo 3h50. Superbe! 

Clique aqui para ver a música Por une chance

Mas o que eu estou escutando sem parar é esta pequena apresentação do Bertrand Betsch feita ano passado em Lyonhttp://dai.ly/aLjYX7




quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Morte de Ivan Ilitch: em busca de um sentido para a vida!



Nunca um livro me tocou tanto quanto esta pequena novela de Leon Tolstoi, com pouco mais de 80 páginas. A Morte de Ivan Ilitch foi escrita no final do século XIX, mas é uma obra-prima extremamente contemporânea.  Com uma aguçada densidade, a novela retrata o tema da morte e o sentido da vida, personalizada em Ivan Ilitch, um juiz russo que, diante de uma doença terminal no leito da morte, faz uma profunda reflexão sobre toda a sua vida, revelando-se a si próprio.

O autor subverte a ordem das coisas no título que logo diz a que veio e, em seguida, na narrativa magistral, cuja história começa no velório. O livro é perturbador! Ilitch teme a morte mais do que tudo ao perceber que sua vida poderia ter sido mais proveitosa, honesta e menos fútil. Quanto mais insuportáveis se tornam as suas dores, mais a realidade lhe é exposta de forma crua e nua. E assim, ele percebe o vazio construído ao longo da sua vida.

Família, emprego, amizades. Tudo isso nada mais é do que uma mera ilusão. O ato de morrer carece de algum significado. Para o respeitado juiz, resta apenas o niilismo,  o nada, o vazio existencial. Conforme a leitura se aprofunda, encaramos na morte do personagem o reflexo da nossa própria existência que se esvai gradativamente. Sem dúvida, o livro deveria ser uma leitura obrigatória nos dias de hoje tendo em vista a enorme inversão (quando não ausência) de valores e a “esquizofrenia” da nossa sociedade moderna.  

A Morte de Ivan Ilitch é uma autobiografia de Leon Tolstoi, famoso por levar uma vida desregrada com jogos, bebidas, prostitutas. Desregramento apenas contido pela sua busca espiritual, porém uma fé constantemente abalada por crises existenciais ao longo de sua vida. O próprio Tolstoi dizia: “não passei um dia em minha vida sem pensar na morte”.

Estamos falando de uma obra universal, pois suas inquietações e angústias pertencem à vida de qualquer um de nós, independentemente da época. Por isso ela chega a ser obrigatória (a meu ver) por nos ajudar a refletir sobre a frágil condição humana diante da nossa finitude.

Nas suas breves páginas, Tolstoi brinda o leitor com o relato de um acerto de contas, revelando a futilidade do modelo de vida burguês. As preocupações corriqueiras, os afazeres mundanos impediram-no de pensar nela. Será preso ao leito, frente à morte certa, que a vida de Ivan Ilitch se revelará mais livre, mais autêntica e vigorosa.  

Absorto num sofrimento desesperado, Ivan Ilitch se dá conta da insignificância de sua vida, da fragilidade de suas conquistas. Apesar de suas dores físicas serem terríveis, o que mais lhe doía era a sua consciência moral. Diante da finitude, a ânsia de encontrar propósito para sua breve (e vulgar) existência era imperativa!  “Vulnerável, clamava por carinho, piedade e, em silêncio, nutria um desejo inconfessável para um homem de respeito: queria ser cuidado como se fosse uma criança”.

Buscar e encontrar o significado da vida é algo particular. O juiz Ivan Ilitch foi um homem que não atentou para a liberdade de poder escolher seu destino.  Mas, no momento em que ele adota uma atitude em relação ao sofrimento, algo fenomenal o liberta. Ah, a morte: “Que alegria!” Ivan Ilitch recebe-a de braços abertos!


(* A primeira vez que li foi por recomendação de Mauro logo quando fui ensinar no Laboratório de Comunicação da FPS há alguns anos. A segunda foi após ter encontrado um sentido para a minha vida)